Queria voltar a casa, mas tinha medo de me sentir sozinha. Procurava paz, em ruas apinhadas de pessoas que pareciam baratas tontas à procura de algum sítio onde se abrigarem da chuva forte e ritmada que se fazia sentir no primeiro dia do mês.
Vi-te sair da Flora, trazias uma mala preta a baloiçar no teu ombro direito, na mão esquerda tinhas uma sacola verde, verde tropa, onde consegui ver umas orquídeas violetas e brancas. Sobre ti, havia um sobretudo preto que te dava pela zona dos joelhos, à volta do pescoço trazias um lenço acinzentado, com uns pormenores em branco. Deste umas passadas aceleradas e entraste rapidamente no Sonho Meu. Aproximei-me e fiquei a observar-te por baixo de um toldo branco e vermelho de um quiosque simpático em frente ao café. Sacudiste os ombros e sentaste-te na mesa ao pé da janela grande, pousaste a sacola junto dos teus pés, indicaste à senhora do balcão que tinhas chegado, rapidamente entregaram-te na mesa, um café com natas e bolinhos. Abriste o computador que trazias na mala preta, atentamente lias, e relias documentos de texto, pensei que se tratasse de trabalho. óh, mas tu sempre odiaste trabalhar nos primeiros dias de cada mês, principalmente de Dezembro, normalmente pintavas quadros no teu quarto, enquanto eu aquecia café na chaleira, dizias piadas que tinhas lido na dia anterior no jornal, e eu regava a orquídeas que tão bem conservavas na berma da tua janela, como éramos felizes nesses tempos e como noto agora, que o amor, o teu amor, faz-me tanta falta. Entre calavas a leitura com um gole no teu café e uma trinca no teu bolo, brincavas com as mãos como fazias desde sempre, esperavas que a chuva espalha-se lá fora para puderes levar em segurança a tua orquídea até tua casa. Imaginava-me lá, no conforto dos teus lençóis de flanela azuis, a desenhar gatos amarelos que víamos pela janela de vidro cristalino. Vi-te fechar o computador e a observar as pessoas que entravam no café, ensopadas e foi aí que a tua alma me sorriu. Saíste do café e eu fiquei paralisada, acendeste um cigarro e acenaste-me. Estiveste sempre a ver-me, sussurrei baixinho, A tua alma e demasiado brilhante, gritaste.
Tenho de parar com isto de te observar ao longe, amo-te.

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